quarta-feira, 15 de abril de 2015

Anniversaire

Abril tem um sabor especial para nós, por ter sido o mês em que a nossa história começou.
No dia 14, temos por hábito parar o mundo à nossa volta e reservar um pouco de tempo só para nós, mesmo que o dia seja de semana e não permita grandes celebrações.

Este ano encontramo-nos ao fim do dia de trabalho, para jantarmos no famoso restaurante português Pedra Alta, mesmo aqui ao pé de casa. Só em Paris e arredores, existem pelo menos 7 restaurantes da cadeia Pedra Alta, o que é bastante curioso, tendo em conta que em Portugal existem cada vez menos.
De qualquer modo, para nós, vem a calhar: o nome Pedra Alta, que faz parte das minhas memórias em Portugal, leva-me de volta ao meu lugar, mesmo que apenas metafórica e temporariamente.

No Pedra Alta, encontrámos uma mão cheia de funcionários tipicamente à portuguesa. É engraçado como nos apercebemos pouco do jeito da nossa gente enquanto estamos mergulhados nele. Uma vez longe, no entanto, desenvolvemos a capacidade de reconhecer os que são nossos em elementos tão simples quanto a entoação na voz. Aquele jeito de gritar para o balcão os pedidos, ainda que se pudesse esperar por lá chegar; a forma castiça de incitar o cliente, com um piscar de olho, a escolher o prato que naquele dia está mais "fresquinho"; o característico "meter conversa", mesmo que o cliente seja na verdade um entre muitos; os inevitáveis conselhos quanto à dose certa, acompanhado da piada familiar "Ui, amigo, se eu trouxer isso tudo, amanhã ainda cá está a comer. Eu trago meia dose e depois vai-me dizer se eu não tinha razão."
Tinha razão, de facto, o Sr. Fernando. A meia dose de Bacalhau à Braga chegou e sobrou.

A sobremesa (pudim, inevitavelmente... ai, o que eu gosto de pudim!!) foi duplamente doce. Enquanto me deliciava com aquela nossa iguaria tradicional, o telemóvel tocou e do outro lado falou-me uma voz vinda de há muito, muito tempo. Não pude reconhecê-la, honestamente, embora me fosse familiar. Ao fim de duas ou três tentativas (nas quais incluí sobretudo primas, que achei que podiam ter a voz ligeiramente alterada por alguma constipação), desisti e esperei que a resposta certa viesse, género aluno que espreita as soluções do livro de Matemática.
A resposta certa era verdadeiramente tão inesperada quanto as respostas de quase todos os problemas de Matemática que me pediram para resolver ao longo da minha vida escolar: a minha interlocutora era a minha primeira professora, que me ensinou a ler, a escrever e que começou a ensinar-me a ser gente.
Em dia de celebração, depois de Martini ao aperitivo e de bom vinho português a acompanhar o bacalhau, tive imediatamente aquela sensação algo comum nos meus anos de faculdade, quando o telemóvel tocava e a voz da minha mãe se fazia ouvir: "ora deixa lá ver se não troco as vírgulas..."
Não troquei. Fiquei a saber que se cruzou com a minha irmã e que a reconheceu, mesmo ao fim de tantos anos. Vai daí, pediu-lhe novidades minhas e o meu contacto e temos encontro marcado para Julho. A vida às vezes tem surpresas incrivelmente inesperadas. A escola primária foi há tantos anos, que eu teria ficado surpreendida só com o facto de aquela professora se lembrar do meu nome, quanto mais da cara tão mudada da minha irmã. A memória dos professores é uma coisa fantástica!

Voltámos a casa já um pouco tarde, percorrendo as ruas lentamente, lado a lado, como no primeiro dia. Lembro-me que, nesse primeiro dia, pensei que a serenidade e confiança que senti ao caminhar ao lado daquele [ainda] estranho, podia mudar-me a vida. Não me enganei. Feliz aniversário, meu marido!

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