Saí do trabalho muito mais tarde do que era suposto. Fiquei no escritório à conversa com uma colega, até quase nos fecharem a porta do liceu. Iniciámos o regresso a casa juntas. Falávamos em propor aos respetivos cônjuges sair para jantar: era tarde e não apetecia cozinhar. Despedimo-nos com esses planos.
Mas não saímos. Somos como as outras pessoas: gostamos de aproveitar a sexta-feira à noite para ver os amigos, beber um copo e gozar o bom tempo, quando o temos. Também vamos a esplanadas, também nos passeamos pelas ruas da cidade, também assistimos a espetáculos; mas na sexta-feira [felizmente] estávamos cansados e acabámos por ficar em casa, tranquilamente, a ver um filme.
O telemóvel tocou, com uma atualização do Figaro, como acontece sei lá quantas vezes ao dia. Consultei distraidamente a notícia e o meu sangue gelou: attentats à Paris.
Abandonámos o filme e procurámos compreender o que se passava. Na TF1, estranhamente, o jogo França-Alemanha continuava, sem sinais de pânico – "Talvez não tenha havido vítimas".
Mas dois minutos mais tarde o jogo terminou e as piores notícias começaram a chegar. O número de mortos aumentava às dezenas, em intervalos de poucos minutos. As imagens roçavam o irreal: a língua com a qual convivemos todos os dias na boca de pessoas que descreviam cenários de horror, as ruas que tantas vezes cruzámos banhadas de sangue, o Presidente que declarava estado de emergência, o encerramento das fronteiras e o início de uma guerra.
Os telefones cá de casa começaram a tocar e nós começámos a fazer tocar os dos nossos amigos e colegas. Nestas ocasiões, toda a gente espera que a tragédia não lhe tenha tocado a si.
Não nos tocou a nós, felizmente. A vida tem destes acasos, que nos fazem perguntar-nos se é a sorte que está do nosso lado, se estamos protegidos por algo superior, ou se o universo é feito de pura aritmética aleatória.
Não nos tocou a nós, mas atingiu centenas de famílias à nossa volta. Centenas de famílias vivem hoje momentos de desespero, porque meia dúzia de loucos decidiram que tinham o direito de vir perturbar a sua vida e a sua paz. Não se pode descrever o que se sente quando se vê algo tão bárbaro acontecer ao pé da porta. Não se pode descrever a impotência que se sente ao pensar que atos tão selvagens quanto os desta sexta-feira podem repetir-se e que a vida de alguém pode acabar assim, de uma hora para a outra, em nome de nada.
Sim, em nome de nada! Porque estes atos de tirania não são postos em prática em nome de um credo – são executados em nome de covardes que se escondem atrás de uma religião tão legítima e com valores tão pacíficos como qualquer outra, para justificar ações que não têm justificação possível! O terrorismo não tem justificação! O terrorismo não tem religião! O que esta gente [se assim se pode chamar] quer é precisamente fomentar ódios – contra os muçulmanos, contra os refugiados sírios, contra os imigrantes. Um povo com ódios internos é um povo fragilizado, é um alvo mais fácil.
Os franceses levantaram a cabeça e decidiram não se deixar levar por esta estratégia rudimentar. Eu pergunto-me se todos os povos fariam o mesmo, depois da informação que me foi passando pelos olhos nos últimos dias.
Nas primeiras horas, as redes sociais encheram-se de mensagens de apoio, fotografias cobertas pelas cores da bandeira francesa, dezenas de hashtags solidários.. até que chegou a estupidez. Por algum motivo, várias pessoas acharam que era hora de comparar os ataques em Paris com outros ataques terroristas e de mostrar como os danos em Paris não eram nada, comparados com outros. Talvez não sejam; certamente que não são.
Mas francamente? Não é uma competição; a sério que não! Ninguém pediu aos governos internacionais que iluminassem os edifícios dos seus países de azul, branco e vermelho; ninguém pediu que milhões de pessoas rezassem por Paris; ninguém pediu que a população mundial se emocionasse e sofresse com os habitantes desta cidade.
Aconteceu assim, simplesmente, porque o ser humano é capaz de atos horríveis, mas também é capaz dos melhores sentimentos. Num momento destes, eu escolho deixar de lado os pensamentos mesquinhos e olhar apenas para os bons sentimentos e para as mensagens de paz – aqui e em todo o mundo!
Aconteceu assim, simplesmente, porque o ser humano é capaz de atos horríveis, mas também é capaz dos melhores sentimentos. Num momento destes, eu escolho deixar de lado os pensamentos mesquinhos e olhar apenas para os bons sentimentos e para as mensagens de paz – aqui e em todo o mundo!
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