segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Mudanças

A cada vez que começo a empacotar os tarecos para me mudar para um novo cantinho, juro que é a última vez (mesmo que saiba que, mais tarde ou mais cedo, voltará a acontecer). Acho demasiado estranho ver toda a minha vida passar-me diante dos olhos e ter de decidir quais as partes que levo comigo e quais as que deixo para trás, num caixote de lixo qualquer, perdidas no tempo e na memória.

Os meus pais sempre foram o tipo de pessoa que guarda todas as recordações, todos os objetos de valor e mesmo aqueles que, sendo menos valiosos, foram um dia importantes ou úteis... nunca se sabe se um dia voltarão a sê-lo! Apesar de não ter herdado essa característica, é algo que me dá conforto: saber que todas as fases da minha vida pré-adulta estão armazenadas algures naquela casa onde cresci e que eu posso sempre voltar a elas, nem que seja apenas para poder esboçar um sorriso face ao que um dia fui e voltar a guardá-las na gaveta/armário/caixa. Quando ouço a minha mãe dizer-me, um pouco irritada, que há demasiada "tralha" naquela casa e que um dia vai "fazer uma limpeza radical", há uma pontinha de pânico que me invade: há algo de extremamente reconfortante na "tralha" dos meus pais! As "tralhas" dos meus pais não o são realmente: são objetos que contam a história deles e aquela que nós vivemos com eles.
O facto de existir na casa onde cresci louça de há mais de 40 anos; de as mãos de uma família não chegarem para contar as mini-garrafinhas de vinho do Porto que o meu pai coleciona na cave; de se esconderem algures no sótão o berço onde dormi e todos os livros que me queimaram pestanas ao longo de quase 20 anos... tudo isso me faz bem! Talvez eu raramente me lembre que a louça é uma senhora de meia-idade, que as garrafinhas existem e que os livros e o berço estão a acumular poeira no sótão... mas faz-me bem saber que a casa onde cresci guarda memórias. Sobretudo agora, depois de ter crescido e ter começado a andar com a casa às costas, mais regularmente do que teria desejado.

Durante este fim-de-semana, trouxemos as nossas próprias "tralhas" selecionadas para a casa nova.
O plano era fazer tudo com muita calma, ao longo da semana de férias que começa agora, mas o acaso pregou-nos uma partida: o elevador do prédio deixou hoje de funcionar, para substituição por um mais recente. Tudo muito bem... mas não podiam ter esperado uma semana?!
Quando vimos o anúncio, na quinta-feira à noite, telefonámos a toda a [pouca] família que temos por cá e ontem bem cedo eles apresentaram-se na casa antiga, para ajudar-nos a empacotar e transportar tudo para a nova casa, ainda em fase de acabamentos de pintura. Se é verdade que, a partir de hoje, o  antigo elevador terá descanso eterno, não é menos verdade que o seu último dia de vida foi bastante agitado.

Hoje dormimos cá pela primeira vez, ainda com tudo virado do avesso. Mas não importa: começamos hoje uma nova vida...

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