quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Natal à francesa

Tinham-me dito que o Natal à francesa é bastante diferente do português, mas imaginei que a diferença residisse apenas no prato principal e não perdi muito tempo a refletir sobre o assunto. Na verdade, quando um francês fala dos costumes do seu país, tenho sempre a sensação de que devemos relativizar pelo menos 30% do que nos é dito. Não é por mal... é só porque tenho a nítida impressão de que grande parte dos franceses sente que a França está para a Europa como os Estados Unidos estão para a América; e, como consequência, sofrem do síndrome 'We're the kings of the world', tal como qualquer americano que se preze.


Mas, desta vez, eles tinham razão. De facto, há algumas diferenças e tenho de admitir que senti uma certa empatia com a forma como se vive o Natal por cá.

Na véspera de Natal, deixámos o nosso apartamento parisiense bastante cedo, rumo a uma pequena aldeia chamada Moulot, perto de Auxerre, para nos juntarmos à família do tio do meu marido. Aqui, as famílias juntam-se a partir do início da tarde, para que se comece a preparação do jantar. Pode parecer exagerado, mas é verdade que há imensas pequenas delícias a preparar: é que aqui a ceia de Natal centra-se, sobretudo, nas múltiplas entradas que antecedem o prato principal. Mesmo sendo nós 22, houve trabalho para toda a gente, até às 19h, hora a que todos subiram aos quartos para vestirem uma roupa um tanto ou quanto formal, antes de se servir o aperitivo.
Este é um dos costumes franceses a que me acostumei mais facilmente: o aperitivo que antecede qualquer jantar entre amigos ou família. Penso mesmo que dicilmente perderei esse hábito delicioso de me sentar a uma mesa a beber um bom vinho ou outra qualquer bebida espirituosa, ao som de gargalhadas e de conversas mais ou menos sérias, antes de começar a jantar.

Às 19h começou, então, o aperitivo, com uma bebida a que eles chamaram sangria e a que eu e o meu marido chamámos, depois de nos entreolharmos, "sangria à francesa". Era um cocktail muito saboroso, sim; mas não era sangria, isso é certo! A acompanhar a bebida, serviram-se endivas recheadas com queijo-creme de ervas e alho e tostas com preparados de caranguejo ou de pepino, caviar e também queijo.
Quando todos pareciam satisfeitos, recolheu-se o aperitivo e serviu-se a primeira entrada: o tradicional foie-gras com pain d'épices, um pão um pouco adocicado, que estabelece um contraste bastante agradável. Para completar a entrada, há ainda quem barre o foie-gras com compota de figo ou de cebola. Pessoalmente, não consegui ir tão longe na adaptação à cozinha típica; mas diz quem gosta que é divinal.
As entradas continuaram a ser servidas noite dentro, uma atrás da outra, sem misturas e com uma pausa entre cada uma, quase como acontece nos casamentos em Portugal: salmão fumado com blignis, coquilles saint-jacques, ostras, gambas e os chamados caracóis de Bourgogne com um preparado de salsa e manteiga. Tudo delicioso!

Entre entradas, visita do Pai Natal (um vizinho que percorre todas as casas da aldeia) e abertura de prendas, as horas foram passando e não foi antes das 2h da manhã que chegou à mesa o prato principal: o chapon de Noël, um galo um pouco maior que o normal, recheado e assado no forno, como se de um perú se tratasse. Na verdade, a essa hora, já poucas pessoas tiveram vontade de provar o dito galo. Convenhamos: depois de tantas delícias, comer galo assado no forno não soa assim tão bem!

Já de madrugada, chegaram os queijos (os queijos franceses são uma verdadeira perdição!), o pão e os chocolates. E eu, que tinha dispensado o galo, lá arranjei um pequeno espaço no meu estômago para estas delícias, a que muito dificilmente resisto. Houve também a bûche de Noël, um doce típico do Natal francês; mas essa não me conquistou.

Deitámo-nos tarde e acordámos relativamente cedo, para o almoço do dia de Natal, que se fez com os restos da noite anterior.

Não foi Natal, porque Natal são as batatas cozidas, o bacalhau, o molho fervido, as rabanadas, a aletria e a minha família à mesa! Mas foi algo parecido com Natal; e foi bastante agradável!

Sem comentários:

Enviar um comentário